Estive inconvenientemente compenetrado nesse natal, talvez pela carga emotiva que esse dia especial cheio de esperanças carrega , como se fosse um gancho prendendo seus pensamentos e sua atenção sem que você queira e, mesmo contrariado, me vejo sendo envolvido nessa corrente do espírito natalino. É como se fosse um campo gravitacional, me empurrando, com sua força, a um mergulho pra dentro de mim e de minha história. Nada contra o bom velhinho simpático de barba branca e vestes vermelhas, que um dia exerceu sobre mim, forte encantamento, em episódios marcados pela infância de sonhos e abundâncias de uma familia de classe média dos anos 70, porém, seguramente me vejo em um novo espaço, onde a fábula nada mais tem haver com minhas crenças e visão da realidade. Ficaram apenas a beleza das fantasias que vejo nos olhinhos de crianças pobres ou ricas, buscando o colo do Papai Noel, com seus sonhos infantis e a ternura de sua inocência. No entanto, parecia que a roda da vida e o clima religioso, insistiam em retorcer lembranças marcantes. Alguns acontecimentos me fizeram voltar pra dentro da alma e me fizeram divagar. Lembranças de uma família agregada por valores patriarcas e moldados em sentimentos matriarcais. Seguramente minha avó materna era o centro da familia, quando a perdemos a família desmanchou- se, sua morte foi o sepultamento de tudo que nos unia. Ela era o elo que nos ligava todos os domingos, em reuniões familiares. As festas natálinas ficavam por conta dela, uma senhora alegre, que nos contagiava e admirávamos. Pensava o quanto a família se tornou frágil depois de sua morte.Enquanto esteve viva, conseguiu com seu carísmo unir as diferenças dentro de sua familia. Estava diante de um filme, sintonizado nos meus pensamentos, sobre acontecimentos que marcaram, não só a minha vida, mas principalmente meu país. Nesse desprendimento mental recolhido, fui interrompido subitamente, por alguns minutos, quando recebi a noticia de morte de Orestes Quércia. Já estava entristecido com a fase delicada de José de Alencar, vice presidente, abatido pelo câncer. Passado a atmosfera fúnebre da morte da personalidade político, imediatamente retornei a minha retrospectiva, em um passado não muito distante. Pensei comigo mesmo, realmente não levamos nada mesmo dessa vida! Estava diante de uma simples constatação, que muitos nunca percebem no seu dia à dia, se fazendo de desentendidos diante desse fato incontestável. A morte definitivamente, em última instância, iguala todos seres vivos numa única direção.. Sem distinção de sexo, raça, cor, credo, posição política ou situação econômica seremos sepultados pela foiçe da temida senhora do destino, independente de qualquer circunstâncias. Ela é a fiél da balança e da justiça, que faz simples mortais assumirem sua espécie e sua natureza, num único e igualitário plano. Seja um morador de rua passando frio e fome ou um banqueiro rodeado de seus milhões, terão com certeza o mesmo fim mortal, sem distinção ou privilégios. Penso nas personalidades políticas que vi morrer, o inesquecível Mario Covas, admirado inclusive por nós do PT , o bom velhinho Dr. Ulisses Guimarães, o articulador das grandes questões politicas , admirado inclusive pelo o presidente Lula e no qual teve profundo respeito, a autor intelectual das diretas já, Dante de Oliveira, que mobilizou, através da organização política e social, milhões de esperançosos para o retorno da democracia,sem falarmos na esperança que milhões depositaram na figura de Tancredo Neves, que na sua morte se quer assumiu o poder. E me lembrei da minha avó, como conciliadora. Seu semblante marcado pela vida e suas mãos cheia de calos, pela árdua jornada de trabalho, acompanhada de seus 9 filhos nos campos da roça, fizeram dela uma inspiração de luta e de coragem. Talvez sua presença fosse conciliadora, não necessitando alongar as palavras pelo respeito e vivacidade de seu carisma como pessoa. Ela unia realmente a família com seu brilho e seu olhar atento, com sua diplomacia e a linguagem do coração e com sua sabedoria maternal. Mas logo cruzei pensamentos e em seguida, numa jornada paralela entre fatos vividos em familia e pontos marcantes da vida social e política, lembrei da conciliação nacional num momento histórico das diretas já. E me perguntei, por que é que em determinados momentos a união a favor do Brasil e dos brasileiros é possível? Lembro-me claramente no palanque todos de mãos dadas e solidárias, juntamente com Lula e os principais dirigentes do PT, lutando pela força da palavra liberdade. Naquela oportunidade com a derrota da emenda sob a força da pressão militar, todos nós estivemos irmanados e chorando pela oportunidade unica de restabelecer a liberdades democrática, que não tinha sido possível concretizar-se naquele dia negro. Acho mesmo, que esse dia deveria ser referenciado nacionalmente como o dia da esperança e da liberdade, porque apesar da derrota, continuaríamos fortes até a vitória final com as eleições diretas para presidente. Falamos em confraternização no natal, mas esquecemos que a verdadeira confraternização é acompanhada de solidariedade aos que sofrem com a imoralidade da fome, com a falta de atendimento médico e com a depressão do abandono , da violência e do esquecimento de familias inteiras. E nesse momento, pensei na abundância e no conforto que tive quando jovem, graças aos patriarcas de minha família. Um contraste absolutamente cruel com aqueles que nada tiveram. Então por que nunca vimos uma união, com a força de mobilização Das Diretas já, com a mesma vontade idealista daquele porte, em prol da solidariedade entre políticos, que hoje são de oposição, se dispondo a dar as mãos para erradicar a miséria social existente nesse país. Por que somente a liberdade política é importante e nunca foi acompanhada da solidariedade e igualdade social. Do que adianta pensar no status pessoal e na individualidade e liberdade pessoal, se nada que adquirimos nessa vida mos acompanha após a morte. Grandes personalidades políticas tiveram o poder em suas mãos, muitas até ja morreram, e nunca deram prioridade para a construção de um país saudável e livre das mazelas e dos infortúnios da miséria social. Houve avanços com Lula, eu reconheço, porém a um custo social alto demais. Da ditadura militar a conquista da liberdade, através do voto popular, em 1982 e desse período até a eleição de Dilma já se passaram 48 anos e, nesse tempo muito pouco foi feito para sanar os problemas básicos e fundamentais da pessoa humana. Eu entendo que foi uma herança maldita que Lula recebeu dos ditos neoliberais tecnocratas, que nunca tiveram a visão humana. Os adeptos do liberalismo econômico esperaram a miséria social se agigantar e nos prender a todos com seus tentáculos, dando margem para organizações e milícias criminosas, se apoderarem de nosso espaço sagrado, para entenderem que a liberdade sem bem estar social são incompatíveis. Pois, se fossem criadas as condições para a prosperidade de todos indistintamente, talvez não tívéssemos que invadir complexos ou morros da vida. Talvez, muitos não teriam morridos em vão. Possivelmente, muitas vidas corajosas não seriam assassinadas pela terrível ditadura militar. Quem sabe o desenvolvimento intelectual do brasileiro estivesse acima da média nesse momento. Mas por mais que exista a força do poder político, nada escapa da morte e tudo que fica é apenas as lembranças daqueles que foram bons e que de alguma forma contribuíram para o crescimento pessoal do outro. É nesse final de estrada, que cada político deve lembrar que atrás de si, pode ter deixado seu rastro de mortes ou de vidas. Pois eles também são mortais como todos nós. E de nada adianta o poder que lhes foi conferido, pois depois da morte eles não poderão legislar em causa própria ou governar para sua clientela de poderosos. Estarão sepultados como qualquer um de nós, quando chegar a hora. O que ficara é a memória dos heróis mortos ou das personalidades que se comprometeram com a liberdade e a justiça social. Minha avó, como conciliadora em sua ternura, com certeza, é a heroína que permanecerá eternamente na minha memória.
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