segunda-feira, 30 de maio de 2011

Os filhos de São Paulo





Os filhos de São Paulo


A cidade de São Paulo é linda,  mesmo com seus problemas e  seu contraste cinzento e molhado. Numa  noite de  domingo fria, acabava de sair com meus filhos do cinema.  Logo que os vi irem embora, pegando o buzão para ir pra casa deles,  lá  estava eu,  sozinho com meus pensamentos. Como de costume,  nos  finais de semana,  peguei o metrô em direção a São Judas, zona sul de São Paulo. Confesso que faço isto raramente, já que sou  meio    provinciano, não vou muito além dos meus limites. Vivo no meu bairro, onde tudo está muito próximo e pouco saio de lá.  Gosto dessa calma dos finais de semana, a gente tem a chance de observar melhor as pessoas, sem aquela característica  correria maluca da cidade.  O metrô estava tranquilo, numa paz que, suponho,   deve  assustar aos usuários, de tão acostumamos ao empurra-empurra e agitação dos dias malucos da semana de trabalho. Sentei calmamente e comecei a observar o povo. Nada de novidades até um certo tempo, pessoas dispersas em seus pensamentos, cansadas e  entediadas. Logo, quando estava entrando num cochilo, fui desperto por um grupo de garotos na maior algazarra, nada que parecesse violento. Garotos brincando, bem em minha frente, talvez entre 16 a 18 anos, tal era a aparência de jovialidade e das brincadeirinhas bobas, próprio da idade. Instintivamente comecei a observa-los. Todos brincado com as mãos, na forma mais carinhosa. Troca e toques carinhosos e até sensuais de mãos dadas, olhares de namorados. Certamente, se tratava de jovens gays que assumiam  claramente suas identidades. Automaticamente olhei para as pessoas que estavam em volta, não percebi qualquer alteração e nem choques das pessoas ao virem cenas explicitas de carinho entre gays. Fiquei até surpreso, em outros tempos isto seria um escândalo.  Provavelmente algum falso moralista, iria fazer suas ironiazinhas maldosas e estúpidas em relação aquela cena tão natural, cochichando, com sorriso maldoso no canto dos lábios ou falando ao pé do ouvido suas mesquinhas concepções de vida. É claro que um ou outro olhavam com um ar de censura, mas a maioria parecia indiferente. Pensei comigo mesmo,  o povão não tá nem aí com a opção de sexual das pessoas, quem realmente vê maldade são os fundamentalistas doutrinários fanáticos e religiosos. Um grupo de garotos inocentementes se divertindo, sem se preocuparem com a falsa moral e as maldades de uma sociedade hipócrita.  Engraçado, é bem verdade que os jovens de hoje não sejam politizados como na minha época, mas com certeza são mais livres. São literalmente existencialistas. Buscam as melhores opções para  se sentirem felizes com seu corpo e suas idéias. Não abraçam grandes causas, querem viver seu tempo intensamente porque estão conscientes, muito mais que minha geração, um tanto romântica, que   não percebeu que o tempo passa e cada minuto não volta.   Assumem suas opções sem muitas neuras. Fiquei tão absorto nas atitudes dos garotos,  que quase esqueci de descer na estação são judas.  Num sobressalto, saltei do carro e segui em direção a Av. Jabaquará. Subindo a escada rolante do metro, me deparo a frente com um senhor de uma perna só, idoso, apoiado    em  muletas, logo a minha frente. Fiquei atrás, dando qualquer retaguarda, caso ele necessitasse. Mas resolvi ficar lado à lado com ele e perguntei se precisava de ajuda. Acenou com a cabeça, afirmativamente. E quando pensava que se tratava de apoio para  locomover-se e se equilibrar, disse baixinho:  Não meu amigo,não é dessa ajuda que preciso. tô com fome! Voce poderia me ajudar. Olhei para ele, e percebi em suas rugas o ar do sofrimento e da solidão. Me cortou o coração.  Eu como nunca levo dinheiro e só uso a moeda de plástico, cartão de crédito, revirei minha carteira e encontrei alguns trocados e dei a ele. E disse:  Eu sei que isto não vai resolver o seu problema, mas é o que tenho no momento. Ele me agradeceu e seguimos o mesmo trajeto. Nesse ínterim, aproveitei para conversar mais um pouco com ele. Expliquei a ele que se ele passasse por uma pericia e ficasse nítido  que não pudesse trabalhar, não estando  em condições físicas satisfatórias , o governo lhe dá um auxílo doença, acredito que seja pequeno mas é um direito dele. E que ele procurasse isto. Como se isto fosse diminuir a dor que sentia pelo desamparo. É evidente que não, mas era direito dele, afinal. Me agradeceu, com a clássica despedida. "Muito obrigado moço e que Deus lhe abençoe". Me despedi e segui em direção contrária, com aquela minha velha sensação de culpa, de classe média pequeno-burguês, sabendo que a miséria humana faz parte de nossa responsabilidade social.  Num certo sentido, todos  nós somos responsáveis, por mais que digam o contrário.  E na minha solidão, senti que a dele era muito mais dolorosa, porque foi deixado a crueldade do abandono. Sigo pelo segundo lance da escada rolante do metro, com aquele velho hábito de não haver alguém me seguindo, aquela neurose  da insegurança em São Paulo. A uns  quatro degraus abaixo, vejo um travesti, de shortinho e camiseta regata, sorrindo e ensaiando alguns passos de dança,  meio que animado, com um corpo bem feminino em formas generosas, com quadris largos e seios grandes. Seu destino eu já sabia, com aqueles trajes em pleno frio de arrepiar era a av Indianópolis, reduto  de prostituição dos travestis e meninas do interior ou da periferia jogadas a força de sua sorte e sobrevivência. Passou por mim, rapidamente com passadas largas. Foi de encontro com suas colegas que estava mais a frente. Seres humanos, tendo que vender o corpo para poderem comer.  Muitos sentindo na pele o preconceito e o descaso da sociedade, que vê neles , a válvula de escape para suas taras sexuais. E aí , nesse trajeto,  você vê, ainda mais, o contraste de uma sociedade injusta, com desigualdades de oportunidades. Passo em frente a igreja São judas, reduto do catolicismo, e nos cantos acobertados  e encolhidos do frio,  uma fileira de indigentes, embriagando-se para não morrerem de frio  e esquecerem o vazio, adormecidos e  anesteciadondo  suas vidas miseráveis e sem sentido.   Viro a esquina e sigo meu rumo, tentando me proteger do frio com passadas largas. Mas enquanto isto, apesar da tristeza, visualizo  a beleza de uma cidade que eu amo,  linda e  esplendorosa, justamente por não esconder suas contradições e seus valores  podres,  se misturando com a cinzas do desamparo e dor da solidão de muitos de seus filhos, perdidos pelas ruas dessa mega metrópole urbana. São Paulo é sim linda, apesar de suas dores e de suas desilusões a despeito de  alguns de seus membros  abastados que  maltratam seus iguais. Afinal, se nós não sabermos lidar com que há de pior, então com certeza, não merecemos o que há de melhor na paulicéia desvairada.


................................................................................André Prado

domingo, 22 de maio de 2011

Rugas Embriagadas





Foto acima. Hator é uma das Deusas mais veneradas, conhecida como “Dama da embriaguez e do êxtase", padroeira dos ébrios.

Rugas Embriagadas 


Ontem fui a uma balada curiosa. Lá pude perceber que maturidade nada tem haver com tempo e experiência. Nesta por exemplo , a média de idade beirava 40 anos de idade. É certo que não gosto de baladas do estilo comportadinho. Sou zueiro, na boa. Mas quando vi o que vi, percebi que as que frequento com jovens, são mais bem comportadas em relação aos coroas alucinados. Quando vc entra no local, já pode perceber caras com cabelos grissalhos bombados, malhados mostrando os músculos orgulhosamente, como se fossem pitboy ou melhor "pitlord", com seu ar de burguesinho empinado e mulheres com aquele ar enganoso de adolescente irresponsável, cocotinhas, " as selvagens", com o olhar de quem vai te comer, mas não é só com os olhos apenas. Elas te deixam pelado olhando de baixo para cima. No decorrer da noite, pude ver o que a carência faz com as pessoas, lastimável. Mulheres se embriagando acima dos seus limites e caidassas nos canto, fazendo malabarismo sexual para atrair sua vitima, caçando discaradamente homens. Homens cercando mulheres e brigando para ter a vez na fila. Digo briga literalmente, na porrada, só não foram as vias de fato por que foram contidos. Percebi então , que estava num mundo de frustrações, onde pessoas tentavam resgatar a juventude que tinham, através de imagens e atitudes com a marca da molecagem. Era o foda-se da "maturidade frustrada" Minha gente, gosto muito de uma certa atitude feminina, mas desespero chega a ser irritante. Homens com o ar de garotos e com mentalidade de velhos, tal é o machismo e a tentativa de controle sobre sua caça. Não sou nenhum santo, mas que é ridículo ver coroas bancarem garotos, por pura auto afirmação, confesso que senti pena. Principalmente das mulheres, que dançavam e bebiam compulsivamente para esquecer o bagulho que tinham que encarar pela frente, noite afora, por puro atraso. Terrível!!! Os garotos ainda tem a desculpa da rebeldia, da ansiedade e de suas dúvidas em fase de crescimento pessoal. Mas pessoas adultas, provavelmente estáveis financeiramente, profissionalmente, com toda a condição de conforto material se portarem como juvenis e rebeldes, que desculpa ela poderiam ter par justificar tanto desespero. Aí pensei, solidão. O que isto faz com as pessoas, não. Acho que é a embriaguez das frustrações.  
Quanto menciono rugas, coloco no sentido em que as linhas de uma vida ,  podem embriagar-se na ilusão por perde-se na superficialidade das aparências. É evidente que jamais poderemos nos descuidar do corpo, mas sempre dando prioridade a saúde em primeiro lugar. Beleza é legal e cada um vê de acordo com suas concepções, mas não podemos fazer disto o passaporte para a felicidade, sob pena de nos tornarmos narcisistas, perdendo a sensibilidade. E não estou fazendo críticas por questões  morais , longe disto. Cada um pode dispor do que é seu, contanto que estejam embriagados de felicidade e não de desespero. Afinal, o sentido da vida não seria felicidade? Claro que sim!


.......................................................................................................André Prado

sábado, 7 de maio de 2011

O tempo Rei



O Tempo Rei


Nem os deuses míticos são tão perfeitos quantos os seres humanos. Os deuses são imortais e portanto imutáveis. Uma perfeição definitiva. Nessa condição não evoluem, são prontos e acabados. Padecem por serem condenados ao marasmo de suas próprias figuras imortais. Enquanto o ser humano, sendo imperfeito e passível a erros é capaz de se regenerar, se aperfeiçoar para corrigir seus erros. É um ser com imensas potencialidades, ainda inexploradas. Temos o objetivo da perfeição em potência aberta! E isto só é possível porque vive em constante mutação. Logo, quem é capaz de mudar, também tem o dom de criar. Na verdade o homem, dentro de seus limites e na estrada da evolução das espécies, até hoje vistas, é o criador e não o criado. Seu destino é incerto, porque está em constante evolução. Talvez, mais perfeito que o próprio homem não esteja na razão de seu juízo, mesmo porque o universo tende a se expandir em sua forma multidimensional , independente da ação racional. Só vejo uma unica força e poder que acredito com fé ardorosa, sua dimensão é deveras grandiosa. O Tempo é meu Deus. Em sua potência descomunal, o universo sofre a ação dentro de sua forma misteriosa , se transforma e se expande. Com esse imenso poder, tudo no seu interior sofre em sua natureza mutante , estando o meio inérte ou não, transforma-se na referencia do espaço coberto pelo tempo. Indiferente a vaidade do ser humano, o TEMPO se impõe com toda a sua pujança,submetendo-o, mesmo que a mente resista, obrigando-o a curvar-se e ajoelhar-se diante de seu Deus real , porque sua ação deformadora e distorcida pesam sobre o corpo envelhecido, fazendo com que se incline diante da ação em sua dimensão e em seu esplendor determinante.O Tempo corrói tudo, nos torna pó. Mas a inteligência, em seus transcritos, se perpetua.Talvez, em conjunto com a ação do tempo, este nos conceda a possibilidade de sermos seres super evoluídos ou novamente bárbaros e retrógrados , tudo depende de usarmos bem essa dádiva, onde concede o espaço livre e dá amplitude a vida inteligente nesse universo. Fabuloso o Sr.Tempo, infinito na sua majestade!


........................................André Prado

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Prometeu

PROMETEU

Sou vinte e cinco por cento na  forma de um anjo e o 
restante fica ao cargo de quem me desvende.  
Sou setenta e cinco por cento mistério e o restante, 
um escândalo previsível.  
Sou metade fogo e a outra metade razão. 
Sou o que seus olhos não alcançam , nem mesmo os meus. 
Sou capaz de tatear no escuro e encontrar o seu olhar longe.. 
Sou a forma masculina que combate a ferro e a fogo, os grilhões 
das correntes e da mordaça. Mas posso ser a parte feminina que 
se desmancha em lágrimas, quando a emoção cala fundo dentro 
da alma. Sou a noites das paixões e os dias do tédio.
Sou o ser alterado e inalterado, um viajante sem rumo, 
em constante mutação, sem qualquer pretensão de ser pronto e acabado. 

..............................................................................André Prado