quinta-feira, 23 de junho de 2011
AFETO PRIMITIVO
AFETO PRIMITIVO
Uma das vantagens de ser usuário de ônibus, em que pese o serviço deficitário e extremamente desagradável do trasporte público coletivo de São Paulo, é poder parar, observar e pensar sobre situações inusitadas , que quase ninguém vê, mesmo estando tão próximos. Em se tratando do ser humano, não existe milagre que possa harmonizar a vida, se este estiver desconectada de sua natureza primitiva e afetiva. Quando digo que a verdadeira identidade humana, em seu aspecto harmônico, esta longe de ser atingida, justamente por ferir a sua própria realidade, constantemente fragmentada e distorcida numa mascara de conveniências, não é apenas um excesso de academicismo, sem o contexto prático da vida. É um fato acontecido e real do n osso cotidiano. Meu ônibus estava atrasado neste dia, e a única coisa a fazer era ficar tomando sol escandante e esperar com a paciência o meu trasporte de carga, já que nada que venha desse meio de locomoção popular possa parecer humano. Era um dia bonito realmente, e me dispus a observar algumas arvores que estavam perto da praça, onde localizava a parada daquele meu ônibus insuportavelmente atrasado. Olhei para trás, em direção as arvores e reparei um cachorrinho solto, brincado na terra e cheirado plantas de um jardim próximo. De longe percebi que era uma graça, bonito e bastante esperto, pensei se tratar de um filhotinho de Dálmata, com uma pelagem manchada e que pudesse estar pedido. Mas observando um pouco mais de perto percebi se tratar de um vira lata. Mesmo assim, achei tão bem tratado que começei a procurar pelo seu dono, acreditando estar perdido. O cachorrinho rodeava alguns arbustos e se escondia atras de algumas arvores, e depois corria na minha direção , cheirando a terra, rodeando e retornado varias vezes o local. Resolvi verificar se não estava perdido e fui em direção ao cãozinho, pensando provavelmente o dono estivesse perto. Não custava verificar, afinal poderia ser importante para alguma família, que estivesse procurando o seu paradeiro. Quando pude ver claramente por trás dos arbustos, fiquei surpreso. A sombra de uma arvore estava um morador de rua, um catador de papeis, talvez. E ao seu lado quietinho e sendo carinhado o cachorrinho, brincado e mordendo as mãos grosseiras e sujas de seu dono. Um homem Barbudo, de roupas rasgadas, provavelmente sem qualquer condição de higiene, cheirando mal e largado na vida. Observando o cachorrinho vi sua felicidade, buscando sempre a atenção de seu amigo, sem querer distinguir cor, sexo, raça, religião, concepção política, classe social ou valores éticos ou morais. O cachorrinho atravessava com seu olhar, todos os conceitos e preconceitos humanos e se ligava a um amigo, sem que sua posição social tivesse qualquer importância nessa relação de afeto e amor com aquele ser humano solitário, até então desprezado pelos seus iguais, mas venerado por outro espécie animal. Seres de espécies distintas, mas que tinham a companhia um do outro. Era o suficiente, para que pudessem estar compartilhando de momentos e de uma troca afetiva, longe de todas as convenções estupidas e discriminatórias da ignorância dos homens. Fiquei alguns minutos observando, até que minha invasão despertou desconfianças e olhares defensivos de ambos. O Dono moribundo, se levanta apressadamente e chama o seu cãozinho. Obedientemente o filhotinho manchado, segue seu dono e atravessam a rua longe do meu olhar indiscreto, procurando um espaço que apenas fiquem sozinhos e em paz sem a interferência desagradável, de quem, co mo eu, só tinha admiração e curiosidade. Que pena, queria ter tirado fotos e mostrado aqui no face. Certamente não existe lógica nisto. Pelo menos, não a lógica da racionalidade e das convenções que não conseguem ver o interior, mas apenas a superfície das relações artificiais pautado pelo templo das ilusões e dos sentimentos coisificados. ...................................................................André Prado
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